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Revista concerto – Rio Musical

By 9 de setembro de 2004 abril 9th, 2020 No Comments

Para onde vamos?

Theatro Municipal do Rio, setembro de 2004. No palco, Martha Argerich e Nelson Freire, cercados por uma centena de ouvintes que extrapolaram os 2 000 lugares da casa. Meia página em cada um dos cadernos de cultura, fotos nas colunas sociais nos dias seguintes aos concertos.

Theatro Municipal do Rio, qualquer domingo às 11 horas. No palco, ótimos artistas brasileiros e/ou participantes dos corpos estáveis, coro e orquestra. Nenhuma linha em nenhum veículo de comunicação. Apesar disso, teatro lotado de gente humilde e jovens estudantes.

Estamos diante de um paradoxo: os concertos que se destinam a poucos, devido ao alto preço do ingresso, ocupam muito espaço na mídia, pois dispõem de orçamento para a divulgação. Assim, conseguem dar ao patrocinador o esperado “retorno de mídia”. Por outro lado, iniciativas com entrada franca ou ingresso barato, importantíssimas para a formação de novas platéias, não aparecem de forma nenhuma nos meios de comunicação. Resultado: não encontram patrocínio.

Sem o apoio da iniciativa privada, os concertos gratuitos dependem da boa vontade das diversas instâncias de governo. Iniciativas como “Música nas Igrejas”, com patrocínio da Prefeitura do Rio, e “Municipal a R$ 1,00” devem-se à visão acertada dos Secretários de Cultura de que a democratização da arte é um dos principais instrumentos de inclusão social. Vão além, pois não deixam de levar ao povo as manifestações mais eruditas, caso da música de concerto.

No sentido contrário, diversas séries de concertos tem modificado o seu perfil para atingirem a mídia mínima necessária à persuasão dos patrocinadores. Assim, a série do IBAM, originalmente de música clássica, inclui hoje música popular. Espaços tradicionais da música de concerto, como a série do BNDES em seu início, e as terças clássicas do CCBB, também estão adotando um perfil de programação cada vez mais direcionado para a música popular.

Será que essa mudança corresponde a uma mudança de gosto do público? A resposta é NÃO. O público carioca assiste com o mesmo entusiasmo a um show da Maria Betânia ou a uma sinfonia de Tchaikovsky. Mil moradores de Rocha Miranda, bairro pobre da zona norte carioca são capazes de assistir, no mais perfeito silêncio, e aplaudir entusiasticamente a complexa Missa de Palestrina. Outros tantos, na igreja de N. Sra. de Boa Viagem, favela da Rocinha, vibram com os Quintetos para Clarineta de Brahms e Weber tocados por músicos suecos, que levaram para seu país um emocionante testemunho da sensibilidade do público de baixa renda.

A Radio MEC, que exercia um papel capital na difusão de música clássica, volta-se cada vez mais para a música popular. Antes era comum entrar em um táxi e ouvir a MEC, agora está cada vez mais raro. Primeiro, o sinal é ruim e é mal recebido em muitos pontos da cidade. Depois, é difícil manter a escuta quando a programação pula de Mozart para Wagner, e depois para Oscar Peterson. A curadoria foi para o espaço quando decidiram (quem? com certeza não foi o público) que a Radio MEC tem que tocar tudo que não é comercial.

Como todos os brasileiros, adoro a nossa boa música popular. Sua qualidade é fruto da mais diversas influências, desde a música de nossas raízes indígenas ou africanas até a européia. “Chovendo na Roseira”, do grande Tom Jobim, é o testemunho de que ele apreciava Debussy.

O público brasileiro não tem preconceito. Quem tem preconceito são os que pensam que só a música popular é a expressão do povo brasileiro. Esses ignoram, provavelmente, que Villa-Lobos continua sendo o compositor brasileiro de todos os gêneros que mais arrecada direitos autorais no exterior. Preconceito tem quem acha que a música de Leopoldo Miguez ou Alberto Nepomuceno não é representativa o suficiente para integrar a programação do ano do Brasil na França em 2005. Preconceito tem quem despreza o talento de Francisco Manoel da Silva e faz tocar o nosso inspirado hino nacional na versão pobre da banda Olodum.

Para onde vamos? Empalhados, para o museu, como a ararinha-azul e o mico leão dourado, com certeza bem mais rápido do que eles, que, pelo menos, contam com programas de preservação…