Reportagem do Jornal do Commercio de agosto de 2012
Dirigido por Rosana Lanzelotte, o Circuito BNDES Musica Brasilis teve a sua terceira edição em 2012, com 10 apresentações no Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Manaus e Salvador. Segue a entrevista concedida ao Jornal do Commercio, publicada em 24 de agosto de 201
O que você destacaria como as principais as novidades para a terceira edição do Musica Brasilis?
Nessa terceira edição do Circuito BNDES Musica Brasilis, queríamos estreitar o laço entre os repertórios e os ápices dos ciclos econômicos: açúcar, ouro, diamantes, café, borracha. Quando há riquezas materiais, a produção artística é fomentada e essa relação entre música e ciclos econômicos é muito interessante de se observar. Para enfatizar ainda mais essa ideia, contextualizamos os repertórios com imagens e textos, narrados pelo ator Mateus Solano.
Poderia falar um pouco sobre a projeção multimidia que permite ao público “ver” a música?
Havia visto no youtube os vídeos realizados pelo Stephen Malinowski, que “anima” as partituras de uma forma artística muito bonita. Queria usar isso em um espetáculo ao vivo. Ele ficou reticente, pois outros artistas haviam tentado sem conseguir. Porém, deu certo e estou muito feliz com a experiência. Além das animações dele, tivemos a arte da Superuber que concebeu imagens de grande impacto para “vestir” os repertórios. Também usaram um recurso que permite fazer pulsar os grafismos ao sabor do ritmo do que estamos tocando. Explique um pouco a proposta do projeto? Concebi o Musica Brasilis há cinco anos, ao perceber a grande dificuldade de acesso a partituras. A primeira iniciativa foi o site, que hoje hospeda mais de 500 partituras de compositores brasileiros e é visitado por 2000 pessoas mensalmente, de todos os lugares do mundo. O patrocínio do BNDES permitiu dar vida aos repertórios, que fazemos circular por todo o Brasil desde 2009. Como é feita a escolha do repertório? Nessa edição do III Circuito BNDES Musica Brasilis, queríamos enfatizar essa conexão da música com os ciclos econômicos. Revivemos repertórios nordestinos contemporâneos do ciclo do açúcar e mineiros do século do ouro, mas também descobrimos gênios contemporâneos do ciclo da borracha, como Paulino Chaves, de que será tocada uma obra inédita no concerto de Manaus.
Quais são as dificuldades de fazer um projeto como este?
A principal dificuldade é a obtenção de recursos. Para dar continuidade às ações do Musica Brasilis, é necessário desenvolver projetos, inscrevê-los nas leis de incentivo e buscar patrocinadores. Felizmente, temos a cumplicidade de patrocinadores como o BNDES, a Carioca Engenharia e a CSC Brasil, que apoiam o projeto desde o início.
O que é mais recompensador em fazer um projeto como o Musica Brasilis?
É muito gratificante ter a certeza de que estamos contribuindo de forma significativa para o resgate e difusão da música brasileira de qualidade. Sabemos também que essa é uma lacuna que tinha que ser preenchida por alguém que, como eu, tem um pé na música e outro na informática. Isso facilita a conversa entre essas áreas.
O que você atribui ao sucesso do projeto?
Coloco a minha energia inteira, que não é pouca, a serviço desse, que considero o meu mais importante projeto. Ao meu lado, tenho parceiros de grande competência, entre eles o André Sant’Anna e o Horácio Brandão, com quem dialogo para decidir sobre passos futuros, e Rodrigo de Santis, coordenador técnico do projeto. A parceria com a Superuber – já é nosso segundo projeto em conjunto – traz uma nova dimensão às nossas realizações.
Sobre o Instituto Musica Brasilis – você poderia fazer um balanço do trabalho desenvolvido durante estes anos todos no resgate de peças “esquecidas” da música nacional?
Até agora, a maior realização foi o resgate e disponibilidade da obra integral de Ernesto Nazareth para piano. Fomos os primeiros a colocar todas as 218 peças gratuitamente acessíveis pela web. Temos um grande acervo de obras de José Maurício Nunes Garcia, graças à doação de colaboradores como Antonio Campos. Nesse momento, estamos colocando no ar uma importante coleção de obras de Alberto Nepomuceno editadas pelo pesquisador Luiz Guilherme Goldberg. Outro que entra com destaque no momento é o Paulino Chaves. Graças à sua Neta, Lúcia Tourinho, estamos disponibilizando diversas obras dele. Todos esses repertórios são oferecidos com partes separadas para os instrumentos, sem o que não é possível tocá--los. Está em curso, também uma parceria com a editora Irmãos Vitale, detentora de joias da música brasileira, que não publica mais pela difícil viabilidade econômica da edição em papel de partituras.
Fique à vontade para fazer quaisquer observações
Quando se olha a música clássica brasileira, parece que Villa--Lobos é único. Claro que ele foi um gênio, mas suas obras foram editadas na França até muito recentemente, o que garantiu a difusão. Dos outros compositores, muito pouco se conhece porque os manuscritos ficam encerrados em bibliotecas, as obras não são tocadas e os nomes vão ficando para trás. Quem ouviu falar de Glauco Velasquez, o grande talento da música brasileira do início do século XX? Morreu aos 30 anos, quase não foi editado, as edições esgotaram--se… morre de novo ao não ser mais tocado. Por isso o Musica Brasilis é ncessário. O BNDES, que tem uma grande atuação na preservação de acervos, compreendeu que, no caso da música, para além da preservação do papel, temos que editar e fazer circular os repertórios.