A estada do compositor austríaco Sigismund Neukomm no Brasil entre 1816 e 1820 é um dos capítulos mais singulares da Historia da Música no Brasil. Esse conterrâneo de Mozart, contemporâneo de Beethoven, e como este, aluno e amigo íntimo de Joseph Haydn – de quem foi o executor testamentário- chega no Brasil com uma bagagem musical quintessencialmente vienense, no extremo oposto da tradição operística italiana -notadamente a da escola napolitana então dominante no mundo luso-brasileiro -, cujo representante máximo em Portugal era a figura do compositor Marcos Portugal.
O ambiente musical que Neukomm encontra no Rio era marcado pela presença de duas grandes figuras : por um lado, o compositor Marcos Portugal, favorito dos portugueses, e por outro a figura modesta do Padre José Mauricio Nunes Garcia, cuja grandeza Neukomm percebeu de imediato e se empenhou em valorizar.
O livro de Rosana Lanzelotte traz importantes luzes não só sobre o período brasileiro de Neukomm como sobre a sua personalidade multifacetada: ao situar o relato na primeira pessoa, em tom de reminiscências, o narrador é ao mesmo tempo o personagem que observou o Brasil e aqui viveu experiências intensas. O plano do livro é um achado: percorrendo o catálogo de Neukomm elaborado por José Maria Neves, Rosana Lanzelotte constatou que as setenta obras nele listadas que correspondem ao período compreendido entre a chegada de Neukomm e sua partida do Brasil, constitui uma crônica dessa estada, pontuada pelas ocasiões às quais essas musicas se referem, e pelos personagens aos quais aludem. Rosana utiliza esta crônica subliminar para ordenar e dar conteúdo a cada um dos capítulos desse livro.
Esse livro é não somente o primeiro livro brasileiro dedicado ao compositor, como um dos poucos até agora focalizando esse personagem cujo único handicap foi o de ser um contemporâneo de gigantes, na cena austríaca, como Haydn, Mozart, Beethoven e Schubert. Ele traz, sem qualquer perda de conteúdo acadêmico (mas sem ser sobrecarregado por ele) uma contribuição notável para o conhecimento de Neukomm, de sua estada no Brasil, e do Brasil no qual viveu e amou intensamente.
Manoel Correa do Lago