Nos dicionários e guias, as “Sete Palavras de Nosso Redentor na Cruz” vêm descritas como sendo uma das composições mais conhecidas e estimadas de Haydn (1732-1809). O que é e não é verdade. Estimadas, talvez: o conjunto de sete longos adágios representa um desafio monumental para o compositor, resolvido de modo único e irrepetível. Conhecidas, dificilmente: são mais de 60 minutos de música lenta, de caráter introvertido e intenso – e por isso mesmo, pouco tocadas em público.
Escritas para um serviço de sexta-feira santa, em 1785, as “Sete Palavras” existem em várias versões. Além da original, para orquestra, há uma adaptação feita pelo próprio Haydn para quarteto de cordas; outra, em formato de oratório; e ainda uma transcrição para teclado, que não é do compositor, mas foi autorizada por
ele, e ressurge agora gravada por Rosana Lanzelotte.
Escutadas sem muito empenho, as sete “sonatas” revelam pouco de seus altos mistérios. Meditadas em contraponto com os textos, vão então ganhando sombras e luzes muito além da invenção formal (e tonal: a obra, como um todo, é um labirinto de tonalidades). O terremoto, no fim, transforma o cravo em arauto, ou repórter do apocalipse.
Lanzelotte -que tem a virtude rara de tocar música contemporânea no instrumento antigo- inverte as coisas aqui e faz do venerável Haydn, mais uma vez, um nome novo no arquivo da nossa memória
Arthur Nestrovski – Articulista da Folha