Os nossos políticos são pródigos em reflexões sobre a violência e sobre como combatê-la. No entanto, dificilmente relacionam a atual situação de descontrole com a pouca oferta de opções culturais para a juventude.
Será que o Buscapé, personagem do filme "Cidade de Deus", é mesmo uma exceção? Ou será que, podendo dar vazão à veia artística, outros soldados da droga poderiam também escapar da guerra?
A recente entrevista de Gilberto Velho publicada no GLOBO trouxe uma contribuição importante à reflexão sobre o atual estado de violência. Para ele, a violência não é apenas fruto do aumento do tráfico de drogas e do descaso das autoridades a respeito. Os jovens de classes menos favorecidas aprenderam, como todos os demais, que os valores a aspirar são encontrados principalmente nos "shopping centers", nas lojas de grife, nos estádios de vídeogames.
Será que sempre foi assim? Lembro-me da minha infância não tão distante, em que o auge do consumo consistia em comprar mais um livro de Monteiro Lobato, só atingido se tivesse terminado a leitura do anterior. Essa ambição era dividida com meus colegas de escola pública, que sempre freqüentei até os meus anos de faculdade.
Como é que alguns filhos de escravos no séc. XIX escaparam da existência miserável que a princípio lhes estava reservada? Tornando-se compositores, como foi o caso do padre José Maurício Nunes Garcia e de muitos outros. A aspiração à batina e à música era uma constante entre os compositores do Brasil Colônia e Império, típica tradução local do "Vermelho e o Negro" stendhalianos.
Naqueles tempos, a cultura européia dominava o país, o que continuou acontecendo até o movimento antropofágico dos anos 1920. A partir daí, o diálogo entre a nossa cultura e a européia garantiu a diversidade cultural que gerou Villa-Lobos, Portinari, Oscar Niemeyer, Tom Jobim, Sebastião Salgado e tantos outros respeitados internacionalmente.
Seria difícil, hoje, o país gestar artistas deste porte, pelo simples fato de que a juventude é mantida à margem do acesso à cultura. 0 ensino das artes não é mais obrigatório nas escolas, como foi até o fim dos anos 70. A mídia vende quase que exclusivamente o ideal do consumismo, tão conveniente para manter o crescimento econômico em um mundo globalizado e capitalista.
Nesse estado de coisas, não
restam opções aos filhos das favelas senão buscar um lugar
no mundo dos shoppings através do caminho mais curto - da droga ou da
violência. Dificilmente Buscapé, que tinha um emprego mal remunerado
de estoquista do supermercado, poderia comprar um tênis Nike. Acontece
que Buscapé acabou virando fotógrafo de jornal porque ganhou uma
câmera de um traficante. E tornar-se um bom fotógrafo passou a
ser um sonho maior...
As plataformas de nossos políticos falam freqüentemente de incentivo ao esporte. Bravo! 0 esporte também é importante. Mas a cultura permanece no esquecimento, como se apenas os músculos dos jovens tivessem um papel preponderante em sua inclusão social.
Neste
momento eleitoral, seria importante ouvir dos políticos que
o papel do Estado na preservação da diversidade cultural é uma
meta importante, assim como a difusão de idéias que não
obedecem apenas às leis de mercado.
Rosana Lanzelotte