A cravista carioca Rosana Lanzelotte realizou neste álbum com sonatas de Pedro
Antônio Avondano a façanha de contribuir para a ampliação de uma tradição que, até o aparecimento dessa gravação, aparentava estar inteiramente desbravada: a do clavecinismo português.
Não apenas isso. Rosana é dona de uma produção discográfica pequena e consistente, na qual busca registrar descobertas e, sobretudo, marcar estágios de seu desenvolvimento como intérprete.
O CD dedicado a Avondano assinala um salto virtuosístico na interpretação da cravista que já havia mostrado todas as suas qualificações expressivas tanto na abordagem de peças pouco executadas de Johann Sebastian Bach. Como no esforço de fazer os compositores atuais escreverem para o instrumento. Ousadia, pesquisa e expressividade ela já havia mostrado. A novidade no presente CD, além de urna descoberta fundamental, é a capacidade quase atlética de enfrentar a escritura algo complexa do músico português.
Até recentemente. sabia-se que Pedro Antônio Avondano (1714-1782) havia nascido em Lisboa, filho de Pietro Giorgio Avondano. Músico genovês atuante nas orquestras palacianas. As enciclopédias informavam sobre o seu contrato como violonista da Orquestra da Real Câmara em 1763 e o fato de haver criado uma escola de danças na rua da CNZ, destinada a ensinar especialmente o minueto, a febre dos anos 1760-1770. Compôs diversos minuetos para instrumento agudo e cravo, cantatas e óperas cômicas – A mais conhecida é Il mundo della Luna (1764), baseada na comédia homônima de Carlo Goldoni. Outro feito de Avondano foi ter fortalecido a irmandade de Santa Cecília, em 1766, que regulamentou o exercício profissional da música.
Não se tinha noção da importância de Avondano como mestre da escritura para cravo. Até a aparição deste CD. o clavecinismo português do Setecentos era representado em gravações por Joaquim de Sousa Carvalho e Carlos Seixas e pela presença na corte lusitana do cravista e compositor Domenico Scarlatti – que colaborou com o progresso técnico da execução e da escritura para o instrumento. Ainda há muito a ser descoberto na área, conforme assinala o musicólogo Rui Vieira Nery, da Universidade de Évora, que assina o texto do folheto do disco. Rosana Lanzelotte oferece um estímulo às pesquisas ao escolher sete sonatas de Avondano, a partir de manuscritos encontrados nas bibliotecas nacionais de Lisboa e Paris. Pela primeira vez, o ouvinte tem a dimensão do talento composicional de Avondano.
Gravado no National Music Museurn de Vermillion, Dakota do Sul, em 2002, o disco mostra que Avondano era senhor da técnica dos teclados e possuía a inventividade harmônica e melódica e alta erudição no encadeamento do material temático. As sonatas se enquadram no estilo rococó. O compositor usa e abusa dos ornamentos. Ao mesmo tempo, intercala às passagens virtuosísticas episódios dramáticos. Ali, emprega o cromatismo, à maneira de Seixas ou mesmo de Carl Philip Emmanuel Bach. As tonalidades são básicas (Fá, Lá, Ré, Dó, Sol), sempre armadas sobre o modo maior. O uso dos temas se revela pré-clássico;
Avondano opera pelo contraste de dinâmicas, timbres, ritmos e expressão. As peças não evoluem logicamente como algumas sonatas tardias de Scarlatti. No mestre português predominam a leveza e o exibicionismo elegante, que a intérprete trata de expandir e converter em 62 minutos de execução sutil, como se a digitação da cravista revelasse as marcas-d’agua da partitura. É um privilégio ouvir, por exemplo, os dois movimentos da Sonata em Dó Maior (Allegro-Manuete), tanto pela beleza da composição como pela arte rara de Rosana Lanzelotte.
Luis Antônlo Giron